A ASCENÇÃO
Trata-se de uma honorável veterana por quatro gerações. Essa é a Colt Modelo 1911, uma arma que sobreviveu às duas grandes guerras mundiais e a maior parte de outros conflitos travados pelo mundo. Através de seus inestimáveis serviços, essa pistola foi testada e re-testada inúmeras vezes nos diversos campos de batalha. Aqueles que pensavam que até janeiro de 1985, quando ela foi aposentada, depois de 74 anos de bons serviços, que o governo dos Estados Unidos estava com a intenção de utilizar em armas curtas, e pela primeira vez, o calibre 9mm, se enganou. Em 1903, o governo testou a pistola (Parabellum) Luger e a de ação-dupla Knoble, ambas em calibre 9mm, e desde então, esses testes tem sido feitos, de tempos em tempos.
Em 1901 os USA adquiriram 1.000 pistolas Luger da fábrica alemã D.W.M. (Deutsche Waffen und Munitionsfabrik), em calibre .30 (7,65mm Parabellum) e que foram distribuídas à algumas tropas, para testes. O resultado do teste, obtido através dos comandantes das tropas, não foi muito satisfatório. O maior problema que era comentado era o fato do calibre ser muito baixo e que não possuía um poder de detenção (“stopping-power”) aceitável. O mesmo problema foi atribuído aos calibres 7,63mm Mauser e .30 Mannlicher, cujas respectivas armas também foram testadas por algumas unidades do Exército. Isso vinha de encontro a um particular episódio, ocorrido na insurreição das Filipinas, onde o recém adotado revólver de dupla-ação Colt, em calibre .38 Long Colt era “insuficiente para derrubar, com um só tiro, os fanáticos Moros…”, conforme relato de alguns combatentes. Este fato, na época, provocou o retorno imediato ao serviço dos Colt Single Action Army, em calibre .45 Long Colt. Aliás, comentava-se que nem mesmo os fuzis que utilizavam o cartucho .30-40 Krag executavam o serviço a contento.
Em abril de 1903 a D.W.M. ofereceu ao governo americano 50 pistolas Luger em calibre 9mm. Georg Luger, em pessoa, trouxe em sua viagem diversas pistolas com vários comprimentos de cano e os testes se estenderam pelos meses seguintes, no Aberdeen Proving Ground, em Maryland, tendo sido designados para coordenação o Coronel Louis LaGarde, do Corpo Médico e o Coronel John Thompson, do Departamento de Ordenança. O Coronel Thompson foi quem, alguns anos mais tarde, desenvolveu a famosa sub-metralhadora que leva seu nome. LaGarde era especialista em ferimentos à bala e seu tratado “Gunshot Injuries” (Ferimentos por arma de fogo), de 1914, descreveu em detalhes como foram feitos os experimentos, onde envolveram cerca de 10 cadáveres, bem como alguns cavalos e porcos . Foram usadas duas pistolas Luger, uma em 7,65mm e outra em 9mm, alguns revólveres em calibre .38 e Colts Single Action Army em .45, e até mesmo um já obsoleto .476 do revólver inglês Enfield MK III, que foi eleito o mais eficiente dos calibres testados. Porém, o Exército queria mesmo uma pistola semi-automática e os avaliadores, mesmo com restrições ao calibre, gostaram muito da Colt .38 Auto modelo 1900.
A pistola Colt modelo 1900, em calibre .38ACP, projeto da qual se originou a Colt 1911.
Em 1907, um novo teste foi desenvolvido com a exigência de que os calibres não fossem inferiores a 11mm. Desta vez, a DWM enviou pistolas Luger em calibre .45, a Smith & Wesson e Colt com revólveres em .45, duas versões da pistola Knoble (ação simples e dupla ação), uma pistola da fabricante americana Savage, uma White-Merrill, uma Bergmann, um revólver semi-automático Webley-Fosbery em calibre .455 e finalmente a pistola Colt modelo 1905 (ver figura). Essa última, em calibre .45, era muito similar em desenho às Browning mod. 1900 em calibre .38. Durante os anos seguintes, a Colt redesenhou e aperfeiçoou essa arma, nos modelos posteriormente chamados de 1907, 1909 e 1910. O revólver Webley-Fosbery foi rapidamente descartado, pois seu mecanismo composto de estrias externas, no tambor, era muito suscetível e exposto à elementos nocivos, tais como lama e areia.
O revólver semi-automático inglês Webley-Fosbery, rapidamente descartado nos testes, e o Smith & Wesson modelo 1917, de ação dupla, em calibre .45ACP ou .45 Auto Rim com uso dos clipes.O modelo da foto foi também adotado pelo Exército Brasileiro em 1937.
Os revólveres Colt e S&W acabaram sendo adotados, posteriormente, como armas alternativas, tornando-se então o Colt New Service 1917 e o Smith & Wesson D.A. 1917, ambos aptos a utilizar a mesma munição .45 empregada na pistola Colt. Entretanto, para que esses dois revólveres pudessem utilizar a munição feita para a pistola, teriam que usar dois clipes em forma de meia-lua, que fixavam os cartuchos no tambor. Posteriormente foi desenvolvida uma variante deste calibre, para uso sem necessidade dos clipes; era o chamado .45 AR (Auto Rim), que já possuíam um aro externo (rimmed) para a retenção e extração dos cartuchos.
Comparativo de 3 cartuchos, da esquerda para a direita: .455 Webley, usado no revólver Webley-Fosbery, o .45 ACP e o .45AR, este último desenvolvido a fim de evitar o uso dos clipes meia-lua nos revólveres Colt New Service 1917 e S&W DA 1917, quando utilizados com munição para a pistola.
Pistola Colt modelo 1905, em calibre .45 ACP. Praticamente já estavam definidas aqui todas as características principais que iriam gerar o modelo 1911.
Os testes se prolongaram até março de 1911, quando se decidiu pelas duas últimas armas remanescentes: a Colt e a Savage. Esta última sofreu com a quebra de algumas peças e a Colt suportou cerca de 6.000 tiros sem nenhum problema. Logo após, a Colt foi finalmente adotada com o nome de U.S. Service Pistol model 1911. Posteriormente, em 1924, houveram algumas pequenas mudanças na arma, notadamente na parte traseira da coronha, onde se instala a mola do cão, encurtamento do tamanho do gatilho e uma pequena usinagem lateral no corpo da arma, logo atrás do gatilho. Esse modelo passou a ser chamado então de U.S. Automatic Pistol cal. 45 M1911A1, arma que permaneceu ativa no Exército até o início de 1985.
A pistola norte-americana Savage, modelo 1907, em cal. 45, modelo idêntico ao que foi submetido aos testes em Aberdeen.
Colt modelo 1911, em cal. 45ACP, exatamente o mesmo modelo submetido ao teste de 1911, resultando na sua dotação pelo Governo dos Estados Unidos.
Colt modelo 1911A1, com as modificações efetuadas em 1924, incluindo gatilho mais curto, usinagem do guarda-mato e curvatura proeminente da coronha. Trata-se de um modelo fabricado durante a II Guerra, onde se verifica que o acabamento geral é bem mais rústico. (Foto do autor, coleção particular)
Os Estados Unidos entraram na I Grande Guerra em 1917 e logo após, o Comando percebeu da necessidade de que mais homens realmente precisavam do apoio de uma arma curta individual. No esforço de guerra, a Colt não conseguia dar conta de toda a demanda. Assim a Remington recebeu um pedido de 150.000 pistolas, o que se tornou logo insuficiente, causando a distribuição, em 1918, dos desenhos da arma para fabricantes que nunca haviam feito armas antes, como a National Cash Register, Burroughs, Caron Brothers e outras. Porém, logo o conflito terminou e esses fabricantes nem sequer produziram qualquer peça. As únicas que realmente tomaram parte do conflito foram feitas pela própria Colt, pela Remington e pelo arsenal de Springfield.
Por volta da II Grande Guerra, o arsenal norte-americano contava com cerca de 375.000 pistolas mas mesmo assim, com a entrada do país na guerra, em 1942, a Remington Rand (1.000.000 de armas) , a Union Switch (55.000), a Ithaca Gun (370.000) e a Singer Sewing Machine Co (com só 500 peças) foram recrutadas para fornecer as pistolas. Porém, com a recente adoção das carabinas semi-automáticas em calibre .30M1, a necessidade de suprir mais pistolas diminuiu bastante.
Após o término do conflito, o sucesso da pistola se espalhou pelo resto do mundo, sendo adotada e inclusive copiada por forças armadas de diversos países. Mesmo antes da II Guerra, apenas para citar alguns exemplos, temos o caso da Argentina, que chegou a fabricar a arma em 1927 pela Fabrica Militar de Armas Portatiles Domingo Matheu. Em adição ao modelo militar, a empresa Hispano Argentino Fabrica de Automoviles S/A (HAFDASA) fabricou, porém sem autorização formal, a Ballester-Molina. Não era uma cópia exata da Colt, pois possuía tanto algumas modificações internas como na aparência externa. Na Espanha, tivemos a Gabilondo y Cia. (Llama) e a Star (Bonifacio Echeveria) que em 1920 e 1921 lançaram suas cópias. Pelo resto do mundo, Vietnam e Coréia do Norte foram alguns dos países que também tiveram suas cópias. O mercado civil, tanto de defesa como de tiro esportivo também foi um ávido consumidor da pistola, como ainda é até hoje. Temos projetos baseados desta arma inclusive aqui no Brasil, com a linha GC da Imbel em .45ACP, a M973 em 9mmX19, as MD2 em calibre 40S&W e outros modelos mais.
As espanholas Llama e sua “irmã” Star, ambas baseadas no projeto da Colt 1911 com pequenas alterações na aparência externa e no mecanismo. Notem a ausência da trava se segurança na empunhadura.
A argentina HAFDASA, a Ballester-Molina, também com modificações externas e internas, com o gatilho pivotado e ausência da trava da segurança da empunhadura. Apesar disso, era construída utilizando-se excelentes materiais.
A MUDANÇA E A QUEDA
A partir de 1945 praticamente não houve mais aquisições de pistolas Colt pelo Governo Americano. Depois de alguns anos, a Força Aérea resolveu abrir mão de suas velhas 1911 a favor de revólveres S&W em calibre .38. Enfim, em 1976, tanto Exército como a Aeronáutica estavam com um problema: substituir suas armas curtas por algo totalmente novo. A Força Aérea começou a executar testes visando a dotação de uma pistola semi-automática em calibre 9mmX19, o 9mm Parabellum, em uso pela maioria dos países membros da OTAN. Por volta de 1980, o Departamento de Defesa dos USA resolveu unir os esforços do Exército, Marinha e Aeronáutica para que, juntos, numa comissão, chegassem a uma solução comum. Essa comissão, após vários impasses, elegeu o cartucho 9mmX19NATO como o padrão a ser adotado por todas a Forças Armadas. O GSA, General Services Administration, contestou se era realmente necessária a substituição de todas as pistolas .45 por armas novas, em calibre 9X19. Alegou que poderiam converter, a um custo extremamente mais baixo, o armamento contido nos arsenais. Afinal, a própria Colt possuía um modelo idêntico à 1911A1 em calibre 9mm. Estimou-se o custo desta transformação em US$ 160,00 por arma. O problema é que o levantamento feito nos estoques indicou grande quantidade de armas que necessitariam muito mais que uma simples troca de canos e carregadores e de uma pequena modificação no ferrolho. Além do que, a necessidade do Exército em desejar uma pistola de ação dupla, mais leve, e com capacidade de pelo menos 13 cartuchos, não seria atendida. Em 1981, foi divulgado um MC “Military Characteristics” para todos os fabricantes mundiais que se interessassem em fornecer armas para testes. Essas características eram um rol de exigências a serem apresentadas pelos proponentes. O projeto se chamava pistola XM9. Os ítens mais importantes eram a capacidade do magazine entre 13 a 15 cartuchos, pressão do gatilho não inferior à 3,5Kg, ejeção de cartucho preferencialmente por cima e não para os lados, peso reduzido, e ação dupla com cão externo, mais uma trava de segurança. A própria Colt, a alemã Walther, a Smith & Wesson, a austríaca Steyr, a Heckler & Kock, a Browning com o mod. BDA9, a suíça SIG e a italiana Beretta, apresentaram seus produtos. Na contenda de exaustivos testes, a SIG e a Beretta mod. 92SB foram as eleitas, passando finalmente à esta última, em 14 de janeiro de 1985, o privilégio da dotação, em virtude principalmente de grande diferença de custo. O contrato foi assinado em menos de 30 dias. A Beretta teria que importar as armas nos lotes iniciais, no segundo ano montar as pistolas nos USA com peças importadas e em 3 anos já estar fabricando as pistolas em Maryland.
Pistola Colt mod. 1911A1, modelo comercial do pós I Guerra, fabricação de 1932 (Foto do autor, coleção particular)
A pistola Beretta modelo 92SB, a arma adotada pelo Governo dos USA em 1985. O modelo atualmente em uso, denominada de U.S. Pistol M9, já possui sensíveis diferenças de desenho em relação ao projeto original.
Há aqueles que puderam ver como o projeto 1911 atingiu, com o passar dos anos, um grau elevado de confiabilidade e qualidade perante às suas concorrentes; aqueles que sentiram seu balanço e peso, confortavelmente instalados em seus estandes de tiro ou mesmo aqueles em situação de combate, que nela depositaram suas vidas e onde a segurança e potência eram fundamentais. Em qualquer um dos casos, seguramente, ninguém precisaria dizer “Adeus, velha amiga!”
Ela ainda está muito viva entre nós, gloriosa e vitoriosa, em várias de suas formas. Aliás, o projeto básico da 1911 foi tão bem sucedido, tanto em uso militar como civil, que pode-se afirmar, sem medo de errar que, provavelmente não exista nenhuma outra pistola semi-automática com tantas imitações, desde as mais rústicas cópias chinesas até os espetaculares e perfeitos modelos especiais para a modalidade de tiro prático, apesar de que muitos deles incorporam alterações e melhorias sobre seu projeto original. Hoje em dia, nos USA, encontra-se praticamente o que se desejar comprar em peças e acessórios, molas especiais, gatilhos, mecanismos internos, carregadores, etc. Dezenas de fabricantes produzem essa arma nos dias de hoje. Só no Brasil, tanto a Imbel como a Taurus possuem as suas variações, sem contar inúmeras outras empresas sediadas na Europa, Ásia e nos USA.
FONTE: ARMAS ONLINE
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